"O Setor Solar está no Fio da Navalha" – na visão ácida de Fred Boschin
- Redação SNW.SOL

- 30 de set.
- 5 min de leitura
Acompanhe a entrevista com Frederico Boschin, advogado e diretor da Noale Energia, conduzida por Léo Fornazieri - Coordenador do Grupo SNW

2025 é o ano em que o setor solar brasileiro deixou de ser um “queridinho do mercado” para se tornar um campo de batalha de narrativas, números e sobrevivência. A MP 1300 redesenhou as regras do jogo, o crescimento da geração distribuída começa a mostrar rachaduras e as grandes usinas, antes símbolo de progresso, agora enfrentam gargalos de conexão e curtailment que corroem a lucratividade.
Para destrinchar esse cenário turbulento, convidamos um dos nomes mais francos do setor para esta entrevista. Frederico Boschin é advogado especialista em regulação do setor elétrico e diretor executivo da Noale Energia, empresa focada em soluções jurídicas e estratégicas para players de geração distribuída, usinas solares de grande porte e investidores do setor. Além de atuar na gestão de portfólios e contratos de PPA, Fred é coordenador de núcleos regionais da ABSOLAR, onde participa ativamente da defesa de pautas regulatórias e da profissionalização do mercado.
Conhecido por seu discurso direto e pouco tolerante a improvisos, Boschin vem alertando há anos sobre os riscos de um crescimento desordenado no setor solar — e agora, em 2025, parece que suas previsões estão se confirmando.
Léo Fornazieri: Fred, 2025 está sendo um ano de fortes emoções para o setor solar. MP 1300 em debate, projetos de grandes usinas com problemas de conexão, integradores migrando para o mercado de minigeração como se fosse o novo eldorado. Pra você, esse é um ano de virada ou de alerta vermelho?
Frederico Boschin: Léo, 2025 é o ano em que o setor precisa encarar o espelho. Durante uma década vivemos um crescimento quase descontrolado, incentivado por crédito barato, subsídios e uma visão de que a energia solar era uma corrida do ouro infinita. Mas agora o jogo ficou sério. A MP 1300 é apenas o sintoma de um setor que precisa de regulação madura — e não de soluções improvisadas. Ao mesmo tempo, temos um cenário de grandes usinas que estão prontas, mas não entregam porque a rede não comporta. É energia perdida, dinheiro perdido e confiança perdida.
O recado que o mercado precisa ouvir é duro: se não houver planejamento de longo prazo, investimentos em transmissão e soluções de armazenamento, corremos o risco de transformar um setor promissor num caso de frustração coletiva.
Léo: Vamos entrar nesse ponto das grandes usinas. A gente vê notícias de curtailment, de energia sendo desperdiçada porque não consegue ser escoada. O que isso significa para o investidor e para o país?
Fred: Significa que estamos construindo castelos na areia. Várias dessas usinas foram planejadas em cima de projeções otimistas demais e sem a devida análise de capacidade da rede. Resultado: hoje temos ativos de bilhões de reais que produzem, mas não conseguem vender. Isso gera prejuízos gigantescos, renegociação de contratos e, em alguns casos, inviabilidade econômica.
Eu costumo dizer que curtailment não é um problema técnico apenas — é um problema político e econômico. Estamos gastando dinheiro para gerar energia que não chega ao consumidor. É como construir uma fábrica de carros sem estrada para escoar a produção.
E o que mais me preocupa é que o setor continua aprovando novos projetos sem resolver o gargalo. Isso é suicídio estratégico. Se não houver coordenação entre planejamento de geração, transmissão e consumo, vamos criar uma bolha de ativos encalhados.
Léo: E dá para recuperar isso? Ou estamos condenados a um apagão econômico das usinas solares?
Fred: Dá para recuperar, mas o caminho é caro e demorado. Precisamos de investimentos bilionários em transmissão e de políticas para incentivar o armazenamento em larga escala. Sem baterias, sem hidrogênio, sem soluções de despacho controlado, o sistema interligado vai continuar sofrendo com excesso de geração em horários de baixo consumo e falta de energia à noite.
Hoje temos usinas que vendem a energia mais barata do mercado, mas não entregam. Isso desestrutura o mercado de energia e compromete o planejamento de longo prazo. Se quisermos salvar essas usinas, teremos que repensar a forma de remunerar quem está disposto a investir em flexibilidade e em tecnologias de armazenamento.
Léo: Agora, vamos falar do outro lado: o pequeno integrador. Tem muita gente apostando em minigeração como se fosse o futuro do negócio. Você acha isso um bom caminho?
Fred: Para ser bem direto: não. Minigeração centralizada é um campo minado para integradores desavisados. É um negócio de altíssimo risco, com margens cada vez menores, alta dependência de regulação e custo jurídico enorme. Muita gente está entrando nessa porque vê vídeos de influenciadores prometendo ROI de 25% ao ano, mas a realidade é bem mais dura.
Minigeração exige capital robusto, contratos bem estruturados e gestão de risco profissional. Quem entra sem isso, acaba perdendo o próprio patrimônio. E pior: como o setor está saturado de players amadores, vemos uma escalada de erros de projeto, usinas mal dimensionadas, inversores subdimensionados, estrutura metálica de baixa qualidade e zero preocupação com O&M. Isso vai gerar uma onda de processos judiciais nos próximos anos.
Léo: Então, na sua visão, o integrador que está surfando na micro e mini geração pode estar cavando a própria cova?
Fred: Infelizmente, sim. Não quero ser o mensageiro do apocalipse, mas se o integrador não profissionalizar seu modelo de negócio, ele vai quebrar. O mercado já está dando sinais: clientes insatisfeitos, distribuidoras questionando compensação de créditos, linhas de financiamento mais rígidas. E com a MP 1300, é possível que o modelo de compensação seja revisto de novo.
Quem quiser sobreviver precisa ser obsessivo com contratos, margens realistas e compliance. Se continuar vendendo sistemas como se fossem um produto de prateleira, vamos ver uma mortalidade de empresas gigantesca.
Léo: Fred, você mencionou armazenamento como peça-chave para o futuro. Por que isso é tão crítico?
Fred: Porque sem armazenamento, a energia solar vai continuar sendo uma fonte intermitente que depende de sorte para ser útil. O SIN foi desenhado para um mix hidrotérmico, com capacidade de ajuste rápido. Quando colocamos dezenas de gigawatts de solar sem pensar em flexibilidade, criamos instabilidade no sistema.
Armazenamento é o que vai transformar a solar de uma fonte de oportunidade para uma fonte confiável. Baterias, hidrogênio verde, sistemas de resposta à demanda — tudo isso precisa ser integrado às usinas e remunerado de forma justa. Senão, vamos continuar queimando energia ao meio-dia e comprando energia cara à noite.
Léo: E se nada disso for feito? Se continuarmos nesse ritmo de improviso?
Fred: Aí o cenário é catastrófico. Podemos ter um excesso de geração solar inviável economicamente, investidores abandonando o setor, judicialização em massa e uma opinião pública que vai começar a ver a solar como problema, não solução. E isso seria uma tragédia, porque o potencial da solar no Brasil é imenso.
Mas o setor precisa amadurecer rápido. A era do improviso acabou. Agora é hora de planejamento, regulação estável e investimento inteligente. Quem entender isso vai sobreviver. Quem não entender, vai desaparecer do mercado.
Léo: Para encerrar, qual é o seu recado para o setor?
Fred: Profissionalizem-se. Sejam realistas. Cobrem preço justo. Façam projetos bem feitos. Invistam em tecnologia de armazenamento. E parem de acreditar que a energia solar é uma corrida do ouro sem fim. Essa fase já passou. Agora o jogo é de quem tem estratégia, disciplina e visão de longo prazo.
Entrevista realizada em 19/09/2025. A opinião do entrevistado não expressa necessariamente o posicionamento dos profissionais ou do Grupo SNW. Todos os direitos reservados.






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